Enterre Seus Mortos (livro)

Monaliza
2 min readMay 18, 2021

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Photo by Joshua Woroniecki on Unsplash

A morte deve ser naturalizada até que se torne uma ficha burocrática a ser preenchida?

Edgar, protagonista do livro Enterre Seus Mortos, não nos responde essa pergunta, mas é ela quem me ocupa a cabeça desde que acabei de ler esse provocativo livro, escrito por Ana Paula Maia e finalista do Prêmio Jabuti.

Acompanhamos a história de um homem que trabalha recolhendo animais mortos de rodovias, em uma cidade do interior. Com frases curtas e secas, que nos lembram o próprio Edgar, uma história simples é contada. O cenário é precário e reflete a própria decadência e normalização da violência dos personagens, da história narrada e até mesmo dos anônimos que povoam o livro.

Pessoas e bichos se misturam, recebem o mesmo tratamento e, arrisco dizer, o mesmo fim. Talvez aqui esbarremos na personagem que divide o protagonismo com Edgar: a morte ronda todo o livro, é categórica e onipresente.

Enterre Seus Mortos foi escrito em 2018 e de lá pra cá, o livro parece ser quase premonitório. Afinal, o comportamento hostil, mas burocrático, ao redor da morte, não é uma das principais características do mundo pandêmico que vivemos? Quais seriam as considerações de Edgar e de seu colega de trabalho, um padre excomungado, sobre as mortes relacionadas ao COVID? Eles ainda se empenhariam em dar um fim minimamente digno, mas bruto, aos mortos ao seu redor?

Ana Paula Maia nos conta de um Brasil difícil de se encarar, que pouco se importa com seus próprios mortos (e crimes!). A autora nos apresenta situações desprovidas dos sentimentos geralmente vinculados à morte, como o respeito ou tristeza. Um livro que não propõe esperança mas que, em troca, oferece uma reflexão refinada sobre nossa sociedade atual.

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Monaliza

Redatora, pesquisadora e historiadora. Todos os dias acredita um pouco mais no poder da leitura, escrita e criatividade.